“Estamos diante de uma transição climática”

A constatação é de Guarany Osório, doutor no tema, para quem os conselhos precisam ter uma governança focada nos riscos climáticos

  • 22/07/2024
  • Angelina Martins
  • Bate-papo

Encontro em que países do mundo todo se reúnem para discutir políticas e ações de enfrentamento ao aumento da temperatura global, a COP 29 – Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas – acontecerá entre os dias 11 e 22 de novembro no Azerbaijão.

Para atualizar o leitor sobre o tema, o Blog IBGC convidou Guarany Osório, coordenador do curso Governança Climática para Líderes, com atuação profissional focada em apoiar o processo de desenvolvimento de políticas e estratégias de mitigação e de adaptação à mudança do clima.

Guarany é coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP, onde fez doutorado em Administração Pública e Governo. Já coordenou estudos e projetos em parceria com instituições como o Banco Mundial, embaixada britânica, ONGs e órgãos do Governo Federal. Confira:

Blog IBGC: Em relação a riscos e oportunidades da agenda climática para as organizações, como os conselhos devem relacionar o tema à estratégia das empresas?
Guarany Osório: Eu destacaria dois tipos de riscos climáticos. O primeiro é o risco físico, que tem a ver com os efeitos que a gente sofre. Quais são esses riscos? São os mais crônicos que acontecem devagar, como a elevação do nível do mar e a seca. E existem os riscos mais agudos, que vêm, por exemplo, do excesso de água - inundação e enchente, vento extremo, ciclones, onda de calor. São riscos físicos que vão afetar a operação de uma organização, o território que ela está inserida. 

A organização tem que se preparar para esses riscos físicos desenvolvendo estratégias de adaptação aos efeitos esperados da mudança do clima. Quanto mais preparada a empresa estiver, menos perda econômica terá.

Existem ainda os riscos de transição relacionados à causa, às emissões de gases: uma empresa emite, mas tem que resolver suas emissões. Um exemplo é o risco legal - são mais de 70 jurisdições no mundo com preço de carbono. O Brasil está discutindo, no legislativo, colocar preço no carbono, via projeto de lei que pode instituir um mercado de carbono no país.

Uma empresa que não considera esse tema está sobre risco reputacional; afinal, nenhuma organização quer ser causadora de um problema coletivo. Então, tem que existir articulação para não haver esse risco.

Em meio a transformações tecnológicas no planeta, também se coloca em destaque esse outro tipo de risco: toda empresa tem que avaliar se está sob risco tecnológico.

Além disso, há o risco de mercado: existe o índice CO2 na B3, que classifica as empresas de acordo com a sua intensidade de carbono; no Dow Jones temos fundos olhando para empresas que mais investem na área climática.

Assim, o conselho precisa estar ciente e ter uma governança em torno desses riscos climáticos, e com a alta liderança engajada. E essa questão precisa estar incorporada no dia a dia, no andamento dos seus processos, com visão de longo prazo e ser inserida na estratégia da empresa. É é a gestão de riscos, as metas e as métricas, que vão alimentar o conselho – que precisa demandar o monitoramento e a performance, para sempre recalibrar a estratégia da empresa.

Como alterar o curso atual dos extremos climáticos, tomando como exemplo as recentes enchentes no Rio Grande do Sul?
A principal forma de você reduzir os riscos futuros do problema climático é atacar a causa, reduzindo a emissão e removendo o carbono da atmosfera. Quanto mais estratégias de mitigação, melhor a forma de lidar com a causa do problema; teremos menos custos futuros de adaptação.

O desenvolvimento de tecnologias e políticas públicas são caminho para o enfrentamento das mudanças climáticas?
Creio que sim. Se temos o desenvolvimento tecnológico, as políticas públicas, a estratégia empresarial e o setor financeiro, todos envolvidos na causa, isso vai ajudar, a lidar com a questão climática. Todos os atores são importantes na agenda climática. E os conselhos e a gestão das empresas devem atuar nos seus limites de responsabilidade, mas é preciso se articular com outros atores para resolver essa questão -- porque, no final do dia, o impacto do desastre climático é ruim tanto para os negócios quanto para as pessoas.

Como efetivar uma transição energética justa, reduzindo as emissões, promovendo inclusão e desenvolvimento social, e reduzindo as implicações do clima na saúde humana?
Sobre a transição energética, para que fiquemos no objetivo do Acordo de Paris de não ultrapassar um grau e meio na temperatura do planeta, todas as economias juntas terão que reduzir em 43% essas emissões até 2030, e em 60% até 2035 – e atingir a neutralidade climática até 2050. São dados que estão no primeiro balanço global do Acordo.

Assim, várias ações serão necessárias. Sobre energia, alguns destaques: teremos que triplicar a capacidade de energia renovável no planeta e duplicar a eficiência energética até 2030. São muitos os desafios, e precisaremos de todos os atores que citei anteriormente. E não é apenas financiamento, mas resolver outros desafios, como o de países que não têm acesso a recursos e precisarão expandir a oferta de energia para suas populações.

Teremos que diminuir o consumo de energia fóssil e migrar para uma energia renovável e outras soluções com o envolvimento de toda a indústria de óleo e gás e de carvão, para fazer com que sejam feitos investimentos em recursos e tecnologias e que também se prepare empresas, profissionais e a cadeia de valor para a migração a uma nova economia.

O que esperar do Workshop - Preparação para a COP 29 a ser realizado em outubro pelo IBGC, em parceria com o Chapter Zero Brazil?
Será uma oportunidade de trazer para o debate os conteúdos de uma agenda consistente e atualizada sobre as questões climáticas, e de trocar experiências sobre o tema. E temos que considerar que estamos no caminho de realizar a COP 30 no Brasil, em 2025. E os debates trarão luz para quem estiver se preparando para ter uma boa atuação para o momento do evento no Brasil.

Reforço, ainda, o curso do IBGC Governança Climática para Líderes – que proporciona uma série de aprendizados que permearão também o workshop da COP 29, quando os participantes poderão entender os porquês das negociações internacionais que acontecem em nível global, com reflexos nacionais subnacionais.


Confira as últimas notícias do Blog IBGC