O conflito como ferramenta de governança: da divergência à decisão

Artigo reflete sobre a importância de um ambiente que favorece a escuta ativa e o respeito às diferentes perspectivas para governança

  • 16/04/2025
  • Andriei Beber
  • Artigo

No mundo corporativo, o conflito muitas vezes carrega uma conotação negativa, sendo visto como algo a ser evitado a qualquer custo. No entanto, estudos sobre dinâmicas organizacionais demonstram que a verdadeira questão não é eliminar o conflito, mas transformá-lo em um mecanismo de crescimento e aprimoramento da tomada de decisão. Amy Gallo, autora de Getting Along: How to work with anyone (Even difficult people), reforça que a gestão inteligente dos conflitos é um dos pilares de organizações bem-sucedidas.

Essa perspectiva é especialmente relevante para a governança corporativa. Conselhos de administração de alto desempenho não são aqueles onde reina a unanimidade artificial, mas sim aqueles que acolhem discordâncias saudáveis, embasadas em fatos e alinhadas ao propósito da organização. Um conselho eficiente não se resume a supervisionar a gestão, mas também a desafiar suposições e incentivar debates estruturados.

Minha primeira experiência como presidente de um conselho reforçou a compreensão de que a maturidade desse órgão não reside na ausência de conflitos, mas na capacidade de transformar diferentes pontos de vista em decisões bem fundamentadas. Manter uma harmonia superficial pode parecer conveniente (e até mesmo tentador), mas o compromisso com as melhores práticas de governança, exige que todas as perspectivas sejam consideradas, que as ideias mais relevantes se destaquem e que os debates sejam conduzidos de maneira consistente e profícua. A presidência, portanto, não é apenas uma posição de coordenação, mas uma função ativa de liderança na construção de um espaço de decisões robustas e alinhadas à estratégia.

Entretanto, é fundamental distinguir conflitos destrutivos de divergências produtivas. Alguns embates desgastam relacionamentos e minam a colaboração, enquanto outros estimulam a inovação e aprimoram o alinhamento estratégico. No cotidiano dos conselhos, os conflitos mais comuns estão relacionados à estratégia, política de investimentos, sucessão e alocação de capital.

A questão central não é impedir essas discussões, mas garantir que sejam conduzidas de maneira produtiva, sem personalismos ou jogos de poder. Conselhos efetivos transformam a energia da colisão de ideias em impulsão para decisões estruturadas e voltadas ao futuro.

Para que um conselho utilize o conflito como ferramenta estratégica, é essencial criar um ambiente que favoreça a escuta ativa e o respeito às diferentes perspectivas. Quando a discordância é vista como um problema, os conselheiros tendem a se retrair, limitando o potencial das discussões. Em contrapartida, quando o debate é incentivado e estruturado, o conselho se transforma em um verdadeiro fórum de decisões informadas e cuidadosamente refletidas.

Muito se fala sobre a necessidade de consenso, mas é essencial diferenciar consenso de convergência informada. O primeiro pode mascarar a ausência de um debate genuíno, enquanto o segundo indica que as melhores ideias prevaleceram após um processo criterioso de análise. Conselhos que apenas reforçam opiniões já estabelecidas perdem sua função crítica de supervisão e direcionamento. Para evitar esse risco, é essencial que haja segurança psicológica, permitindo que seus membros expressem opiniões sem medo de represálias ou julgamentos. Sem esse ambiente, o conselho torna-se passivo, guiado pela inércia, em vez de ser um agente ativo de transformação.

E o presidente do conselho tem um papel decisivo ao moldar esse ambiente. Se a liderança silencia opiniões divergentes ou impõe uma visão única, o conselho rapidamente se torna disfuncional. Por outro lado, se o presidente atua como facilitador, incentivando perguntas e explorando diferentes ângulos, cria-se um espaço propício para o aprendizado e para uma tomada de decisão qualificada.

Uma das habilidades mais valiosas nesse processo é a arte de perguntar. Questionamentos como: "Quais premissas estão por trás dessa recomendação?" ou "Estamos subestimando algum risco?", ajudam a evitar decisões precipitadas e garantem que todas as alternativas sejam devidamente exploradas. Modelos como o Advogado do Diabo e o Red Team Thinking, amplamente utilizados em estratégia militar e segurança cibernética, podem ser aplicados à governança para garantir que cada decisão passe por um teste rigoroso antes de ser implementada. Da mesma forma, técnicas como os Seis Chapéus do Pensamento, de Edward de Bono, estruturam debates e incentivam diferentes perspectivas – da cautela à criatividade –, tornando o processo decisório mais equilibrado e eficiente.

Empresas que inovam continuamente são aquelas que desafiam seus próprios modelos mentais e questionam o status quo antes de estabelecer um caminho definitivo. No agronegócio, infraestrutura e setor elétrico – setores nos quais atuo diretamente –, as decisões estratégicas são impactadas por um cenário intricado, entrelaçando volatilidade de preços, mudanças regulatórias, avanços tecnológicos, desafios climáticos, tensões geopolíticas e a crescente competição por talentos. Se o conselho não estiver preparado para questionar modelos estabelecidos, antecipar disrupções e repensar estratégias, ele deixa de ser um agente de transformação e passa a ser apenas um espectador das mudanças.

A governança corporativa exige não apenas estrutura e processos, mas também uma cultura que valorize o pensamento crítico e o questionamento construtivo. Conselheiros que dominam essa dinâmica protegem não apenas o valor da empresa, mas também impulsionam sua longevidade e relevância estratégica. Como ensina Heráclito: "O conflito é o pai de todas as coisas — a evolução vem do embate de ideias, e não da estagnação."

*Sobre o autor: Andriei Beber é Conselheiro de Administração, instrutor dos cursos de formação de Conselheiros do IBGC e professor dos programas de formação executiva da FGV

Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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