Nos últimos anos, o discurso da governança corporativa ganhou espaço e sofisticação. Multiplicam-se os relatórios integrados, os comitês especializados, os códigos de conduta e as boas práticas sustentadas por frameworks internacionais. Os termos são corretos e necessários. As estruturas, muitas vezes, bem desenhadas. As boas práticas devem existir e são recomendadas. Mas ainda assim, em muitas organizações, os grandes problemas seguem onde sempre estiveram: no centro da sala de reuniões, visíveis a todos — e ignorados por conveniência. E junta-se a isso a atuação de algumas pessoas e organizações que, com objetivos pouco claros e interesseiros, tentam “surfar” na governança e prestam um desserviço à mesma.
Esses são os famosos “elefantes na sala” da governança.
Presentes em conselhos de administração, diretorias executivas e até mesmo em instituições públicas, esses “elefantes” se manifestam de formas diversas: um conflito de interesse não tratado, a perpetuação de uma liderança tóxica, um processo de sucessão mal conduzido, problemas familiares não resolvidos, conivência com práticas que contradizem o discurso ESG; para não falar na ausência de liderança ética, ou ainda o simples hábito de evitar conversas difíceis. Há também conselheiros e gestores que, quando acuados, agindo sem transparência, consistência e coerência revelando imaturidade. São situações conhecidas, mas pouco enfrentadas.
A boa governança, porém, exige mais do que estruturas formais. Como define o IBGC, trata-se do sistema que dirige, monitora e incentiva as organizações — e isso inclui ter coragem para enfrentar o que está desalinhado.
O King IV Report, referência global conhecido por adotar o modelo de “pratique ou explique”, destaca que os conselhos têm a responsabilidade de agir com independência, visão de longo prazo e sensibilidade para o contexto, mesmo quando isso significa desafiar o status quo.
A omissão diante dos problemas evidentes corrói a legitimidade da governança. É fácil elaborar discursos e políticas; difícil é aplicá-los e realmente exercer o “walk the talk” quando tocam interesses estabelecidos ou agendas próprias e até pessoais. E é justamente aí que se revela a maturidade de uma organização: na disposição para nomear os riscos, escutar o desconforto e tomar decisões difíceis com integridade.
Como ensinou Bob Garrac, o conselho deve ser um espaço de aprendizado contínuo, pensamento estratégico e coragem institucional e isso não ocorre sem fricção. Ignorar os “elefantes” pode manter as aparências por algum tempo, mas impede qualquer evolução real.
A governança precisa voltar a ser, acima de tudo, um exercício de verdade — e isso começa por encarar o que muitos preferem não ver. A governança efetiva vai além das estruturas formais. É atitude. Ela também se concretiza com a postura dos líderes, na coerência e consistência entre discurso e prática e na disposição de enfrentar dilemas e tomar decisões que preservem a integridade e perenidade da organização. Ou seja, na disposição de enfrentar os problemas reais — inclusive os que todos fingem não ver.
Enquanto os elefantes seguirem na sala, nenhuma governança será plenamente eficaz. É hora de encará-los, nomeá-los e, com coragem convidá-los, gentilmente, finalmente a sair da sala.
*Ricardo Lamenza é administrador pelo Instituto Mackenzie com extensão Executiva na Duke University – The Fuqua School of Business. Conselheiro certificado pelo IBGC. Atualmente, atua como: vice-presidente do conselho de administração e membro do comitê de pessoas do IBGC; membro do Conselho Deliberativo e do Comitê de Auditoria e Riscos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; do conselho de administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e do conselho consultivo da Sigdo Koppers (Engenharia e Construção). Também já atuou como vice-presidente Senior da Siemens e CEO da área de Energia.